sábado, 19 de outubro de 2013

Histórias da Bacia do Una: o Cururu Verde

A meio caminho entre a casa de meus pais e a casa de meus avós a Ponte do Galo se fez presente em minha infância como um ponto de passagem obrigatório para quem se locomovia através do bairro da Sacramenta. Atravessar o Canal do Galo significava que estávamos mais perto ou nos afastando cada vez mais do centro da cidade. Era nesse espaço liminar que surgia envolto pela atmosfera noturna o Cururu Verde.

Contava meu pai que a Ponte do Galo, depois de certa hora da noite, era um lugar perigoso. Fazia parte da fauna local o bandido Cururu Verde, cuja alcunha que fazia referência à espécie Rhinella marina, também conhecida como Sapo-boi ou Sapo-cururu. Anfíbio, o cururu é o habitante das margens fluviais e dos pântanos. Marginal, marginalizado como a população que vivia nos terrenos pantanosos da baixada que rodeava a Ponte e o Canal do Galo. Vivendo na umidade e na lama das profundezas da Bacia do Una. Meu pai falava sobre um personagem do presente ou reproduzia o que haviam lhe contado quando ele era criança?

Ao passarem devagar e tarde da noite pela estreita Ponte do Galo, os carros tornavam-se vulneráveis ao ataque do famigerado Cururu Verde. Este pedia pedágio para quem quisesse seguir adiante. Não roubava, pedia pedágio. Exercia o poder que lhe cabia sobre o seu território diante dos habitantes das áreas secas e sólidas que atravessavam a Bacia do Una de automóvel. A peculiaridade do Cururu Verde estava na punição que aplicava aos que não tivessem dinheiro ou se recusassem a lhe pagar uma boa quantia: suas vítimas eram arremessadas para dentro do Canal do Galo. Não eram feridas ou levadas à morte como talvez fizessem os bandidos de hoje, mas sofriam a humilhação de se verem imersos no Canal do Galo, de nadarem até as margens deste curso d'água para verem suas roupas encharcadas pelas águas que recebiam os dejetos de grande parte da população de Belém. Talvez os dejetos do próprio Cururu e de sua família. Os dejetos que invadiriam as ruas se o canal transbordasse com as chuvas ou marés altas.

O Cururu Verde e seus vizinhos conheciam aquelas águas, conviviam com elas no cotidiano. Os motoristas incautos eram levados a conhecer as águas fétidas e sem vida do Canal do Galo. A cor escura da água não lhes possibilitava ver se o canal era raso ou fundo. Suas chances de sobreviver à queda no canal dependiam da sua habilidade de nadar até as margens para ali encontrar a mesma lama de onde havia saído o Cururu Verde.


Cururu Verde era o personagem que povoava a histórias de meu pai sobre a ponte pela qual sempre passávamos. O Cururu Verde era o bandido folclórico belemense, imagem caricatural da marginalidade criada pela classe média perplexa diante da progressiva pauperização da população das baixadas de Belém. O Cururu Verde era a exclusão personificada, quase um herói anônimo promovendo a redistribuição forçada de renda. Hoje, meus amigos que moram próximo ao Canal do Galo dizem nunca ter ouvido falar dele. Nem mesmo o Google, oráculo supremo da contemporaneidade, parece saber algo sobre o Cururu Verde. Teria sido simplesmente esquecido ou será que só existia na imaginação de meu pai?

Esta era a principal narrativa que ecoava em minha cabeça quando vim morar na Bacia do Una (é daqui que saem estes escritos). O Cururu Verde era apenas mais uma imagem, muito embora a principal imagem, do meu arcabouço pessoal de representações sobre o crime, a criminalidade e a periculosidade da periferia de Belém. Desde a infância fui ensinado que os canais são lugares perigosos por onde não se deve passar. A cidade é assim apresentada à criança, que aprende rapidamente a fazer parte dos jogos de proximidade e distanciamento entre as classes sociais no mundo urbano. O fato de histórias como a do Cururu Verde fazerem parte da socialização de crianças das camadas médias em Belém expressa e reforça o caráter desigual e segregador desta metrópole amazônica.

Não entendam mal, não estou condenando meu pai por ter me contado sobre o Cururu Verde. Muito pelo contrário, a história do Cururu Verde faz parte das lembranças felizes de infância em que meu pai está presente. Histórias foram feitas para serem contadas, e as narrativas ganham vida quando passadas às gerações subsequentes. Como bom contador de histórias que é, meu pai preservou a memória do Cururu Verde. E junto com o Cururu Verde emergem as imagens de uma outra Belém, de uma outra Bacia do Una. Ambas se transformaram no devir do tempo. E hoje os bandidos também são outros.


terça-feira, 8 de outubro de 2013

Em Belém, a questão do saneamento é "caso de polícia".

Manchete principal na capa do Jornal Diário do Pará desta terça-feira, o bairro Parque Verde é um dos 20 bairros de Belém que compõem a Bacia do Una. Está localizado na segunda légua patrimonial do município, já na divisa com a cidade de Ananindeua - Região Metropolitana de Belém.

A situação exposta na reportagem é mais uma do acervo de agressões e arbitrariedades da PM agindo em nome do Estado lançando mão da violência "legítima" diante de cidadãos que estão a buscar seus direitos. Uma manifestação como a dos moradores do bairro Parque Verde só pode parecer algo insólito para um poder estatal que se habituou ao clientelismo político por anos a fio e ainda não sabe lidar com a linguagem dos direitos.


Aqui cabe parafrasear as célebres palavras do presidente Washington Luís conferindo-lhes as cores regionais: em Belém, a questão do saneamento ainda é caso de polícia.


A atitude de fechar a rua impedindo a passagem dos carros como forma de reivindicar saneamento básico, pavimentação de ruas, esgoto, saúde e segurança pode ser interpretada dentro do que o antropólogo James Holston chamou de “incivilidades cotidianas”. Estas "incivilidades" remetem à tensão latente entre classes que é característica da democracia enquanto um processo que ainda se consolida lentamente no Brasil.

Se a afirmação da igualdade entre os cidadãos cria novas desigualdades, pois evidencia as relações verticais e os contrastes entre ricos e pobres que dividem os mesmos espaços na cidade mas praticam estes espaços de maneira diferenciada, então os moradores do Parque Verde recorrem à interdição da rua não apenas para reivindicar providências da prefeitura, mas para dar visibilidade a essas desigualdades escamoteadas pela afirmação da igualdade na democracia brasileira. Transparece o contraste: de um lado, as ruas do bairro sem drenagem e pavimentação; de outro (e este outro lado é bastante próximo), a grande avenida principal - agora bloqueada - por onde se movimentam os automóveis da classe média emergente de Belém.


segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Universo de Pesquisa: O que é a Bacia do Una? (Parte 2)

No post anterior mencionei O Projeto de Macrodrenagem do Una enquanto um conjunto de obras de saneamento que transformou substancialmente grande parte da periferia da cidade de Belém, tendo em vista que a Bacia do Una ocupa 60% do território da cidade. Agora vamos entender a diferença entre Macrodrenagem do Una e a Bacia do Una, sendo que esta distinção é fundamental para o entendimento do universo e do objeto desta pesquisa.

A bacia do Una sofreu um processo de intervenção por parte do poder público estadual em parceria com a prefeitura de Belém que durou mais de uma década, tendo começado em meados dos anos 80 em sua fase de estudos e terminado em 2004 com a conclusão das obras que foram iniciadas em 1993. Trata-se do Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una, o qual tinha por objetivo resolver os problemas de insalubridade e saneamento ambiental nas baixadas da referida área. Constituídos de casas erguidas em palafitas sobre terrenos alagadiços, lamacentos e por onde passavam igarapés, alguns bairros da Bacia do Una foram completamente aterrados e receberam serviço de esgotamento sanitário e fornecimento de água que não existia anteriormente.

No ano de 1993, um trecho do Relatório da Comissão de Saneamento de Belém explicava o que viria a ser o então denominado Projeto de Recuperação das Baixadas do Una. Invertendo a ordem de argumentação presente no referido documento, transcrevo primeiro o que está sendo categorizado enquanto "baixadas" pela COSANPA (Companhia de Saneamento do Pará) em 1993:

AS BAIXADAS
O Governo do Estado do Pará, através da Companhia de Saneamento do Pará-COSANPA e contando com a prefeitura Municipal de Belém, vem resgatar uma antiga dívida social para com a parcela mais carente de sua população, que hoje habita de forma precária, as regiões denominadas "Baixadas".
Estas "Baixadas" são áreas da cidade de Belém, caracterizadas por sua baixa altitude e orografia suabilíssima, já degradadas em sua grande maioria, onde a população da mais baixa renda, sem condições de estabelecer nas regiões mais altas, vem se fixar, promovendo uma ocupação desordenada, tornando-se foco de grandes e graves problemas de saneamento e conseqüente comprometimento da qualidade de vida.
Devido a sua formação peculiar, vastos trechos das baixadas ficam permanente ou temporariamente alagados, sobretudo no inverno, por ocasião das intensas chuvas, fato este que constitui enorme empecilho às ações públicas para implantação da infraestrutura básica necessária, provocando assim enormes carências para as populações, privando-as de escolas, postos de saúde, abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, coleta e remoção do lixo, atendimento de energia elétrica, iluminação pública e transportes, gerando essa forma insegurança [sic], analfabetismo e um altíssimo índice de doenças provocadas pelos baixos índices de salubridade verificados, sem com o agravamento [sic] da degradação ambiental que se constata [...] (Feitosa, 1994, p.247-248)

Acima está caracterizado o problema a ser resolvido, isto é, as condições insalubres das baixadas belemenses. A seguir, apresento conforme o mesmo documento, o que seria a solução para este problema:

O PROJETO
O Projeto foi concebido com o objetivo de marcar o início de uma grande transformação a ser procedida nas Baixadas do Una, com reflexos na Cidade de Belém como um todo.
Assim sendo, serão implementadas através dos Projetos, obras de retificação dos igarapés e revestimento de suas margens; obras de microdrenagem com a execução de sarjetas, caixas captadoras de águas pluviais, redes coletoras e demais dispositivos; obras de implantação de sistema viário compatível e equipamentos comunitários importantes e necessários, além de outras.
Complementarmente será realizado um amplo programa de educação comunitária, sanitária e ambiental, no sentido de dotar as populações de conhecimento e instrumentos capazes de manter os benefícios conquistados, preservando o meio ambiente e assegurando a conquista de uma melhoria de suas condições de vida, meta tão ansiosamente desejada. [...] (Feitosa, 1994, p.247)


Fonte: FEITOSA, Dantas de. Macrodrenagem e Água Potável em Belém do Pará; Documentário Histórico-Cosanpa. Belém, Multisoft, 1994.


Houve remoção de muitas famílias para que fossem abertas vias e canais. As vias permitindo o acesso a áreas onde anteriormente só era possível locomover-se sobre estivas. Os canais para facilitar o escoamento e, portanto, a drenagem de áreas anteriormente consideradas problemáticas em relação ao acúmulo de águas dos igarapés e das chuvas. Logo, o projeto de macrodrenagem buscava "revitalizar" boa parte das baixadas de Belém, resolvendo também os problemas de alagamentos nessas regiões da cidade.

O alarde das propagandas sobre o Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una teve como uma de suas repercussões a corrente confusão que se estabelece tanto no senso comum, quanto na mídia especializada entre o Projeto Una e a Bacia do Una. O Projeto Una é uma obra de engenharia que visava atender questões de ordem sanitária e aos poucos foi atentando para questões socioeconômicas relativas ao que se entende por uma "reforma urbana" da cidade de Belém, tendo recebido financiamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para sua execução e para que fosse realizada a manutenção das obras, bem como um trabalho de educação ambiental junto às populações contempladas pelo projeto. O projeto inclui também a microdrenagem, isto, é a implantação de esgoto pluvial e cloacal para as residências e um sistema de drenagem macro, o qual abrange 17 canais, seis galerias subterrâneas e duas comportas para o controle da ação das marés sobre os canais (Comissão de Representação da Bacia do Una, 2013)


A Bacia do Una em bairros 
Fonte: Paranaguá, P., Melo, P., Sotta, E. D., & Veríssimo, A. Belém Sustentável. Belém: Imazon, 2003.
Disponível em versão Online em: http://www.imazon.org.br/publicacoes/livros/belem-sustentavel-1

























O Projeto Una não deve, portanto, ser confundido com a Bacia Hidrográfica do Una. Esta última, pode ser entendida como uma região territorial que tem como base o elemento água e seus cursos interligados, além de constituir mesmo no contexto urbano de Belém como um sistema interdependente em que os recursos hídricos estão atrelados outros processos naturais como o clima, vegetação e solo. Todos estes elementos também se ligam à realidade socioeconômica e cultural no interior da cidade, condicionando diferentes maneiras de serem estabelecidas relações entre os habitantes e as águas urbanas. 

Assim, o Projeto de Macrodrenagem do Una foi realizado sobre a região geográfica da Bacia do Una mas o projeto não coincide com a totalidade da região geográfica apresentada. Em muitos casos, áreas inteiras da Bacia do Una foram excluídas do Projeto de Macrodrenagem, tais como o do Conjunto Santos Dumont no Bairro da Maracangalha, a área conhecida como Nova Aliança no bairro da Sacramenta que abrange as passagens Santa Rosa e Santa Teresinha, além da Comunidade Água Cristal no bairro da Marambaia. Estas três áreas são consideradas os pontos mais críticos da Bacia do Una em termos de saneamento básico (serviço de esgoto e água potável), de infra-estrutura viária e de vulnerabilidade a inundações.

Assim, afirmo que o Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una integra o universo desta pesquisa, uma vez que o projeto de reforma urbana enseja discussões, mobiliza atores e cria feixes de relações sociais. O Projeto de Macrodrenagem, enquanto um marco na história do saneamento em Belém, articula experiências e suscita narrativas sobre as transformações das relações dos habitantes de Belém com as águas da cidade. Porém, esta não é uma pesquisa sobre a Macrodrenagem do Una. Este trabalho apresenta uma reflexão sobre a memória ambiental de habitantes de uma bacia hidrográfica urbanizada, a Bacia do Una. 

Nesse sentido, a Macrodrenagem representa um evento (quiçá o mais importante) em um contexto mais amplo e elástico no tempo, isto é a trajetória de políticas públicas de saneamento em Belém. No entanto, este processo de sanitarização da cidade e de ambientalização do viver urbano ganham expressão nas narrativas dos habitantes da Bacia do Una, sujeitos que experimentaram em seu cotidiano a dialética entre os elementos água e terra e trazem em seus depoimentos a dimensão do vivido que diz respeito à relação entre a cidade de Belém e suas águas.


Referências:

Comissão de Representação da Bacia do Una. Relatório Final. Assembléia Legislativa do Estado do Pará (ALEPA). Belém, 2013. 

FEITOSA, Dantas de. Macrodrenagem e Água Potável em Belém do Pará; Documentário Histórico-Cosanpa. Belém, Multisoft, 1994.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O universo de pesquisa: o que é a Bacia do Una? (Parte 1)

Desde o início da pesquisa tenho me deparado constantemente com a dificuldade que alguns habitantes de Belém tem em identificar no território da cidade a área geográfica conhecida como Bacia do Una. Eu mesmo, antes escrever o projeto que dará origem a esta tese, não tinha idéia da extensão da Bacia do Una e nem de sua importância no processo de ocupação do território e de urbanização de Belém. 

Da mesma forma que a maioria dos belemenses - sobretudo aqueles que, como eu, moram nas regiões centrais - minha compreensão sobre a Bacia do Una chegava apenas à sua associação com o curso d'água que lhe dá nome, o Igarapé do Una localizado no bairro da Sacramenta. O Igarapé do Una nada tem a ver com o Bairro do Una que se situa nos limites entre Belém e sua Região Metropolitana, a não ser pelo fato de estarem ambos dentro da Bacia homônima. 

A Bacia do Una também integrava a minha experiência como habitante de Belém através do eco de propagandas televisivas do governo estadual e de sua referência em debates políticos quando era trazido à tona nas discussões um projeto que teria transformado definitivamente a área da bacia: a Macrodrenagem do Una.

Porém, antes de tratar propriamente da Bacia do Una, é preciso situá-la dentro de um contexto maior: a cidade de Belém. Mas que cidade é esta?

Fonte: RAMOS, José. Poluição e contaminação da Orla de Belém-PA, in A questão da água na Grande Belém. Editado por S. Uhly e E. L. de Souza, pp. 103-120. Belém: Casa de Estudos Germânicos/UFPA, 2004.



- Número de Habitantes: 
1.351.618*
- Área (Km²): 1.247.690
- Clima: Equatorial

*informações de acordo com o último censo do IBGE realizado em 2010. Disponível em: 
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/xtras/perfil.php?codmun=150140&search=para|belem

- O relevo da cidade é característico da planície amazônica, sendo que 30% da área do sítio urbano é composta por terrenos abaixo da cota 4 em relação ao nível do mar, ou seja, são terrenos inundáveis e de fácil inundação.

- Ao sul a cidade é banhada pelo Rio Guamá e a oeste recebe as águas da Baía do Guajará. Estas duas grandes massas de água exercem influência sobre as 14 bacias hidrográficas que recortam o município de Belém.

É interessante observar que, apesar de Belém estar situada na maior bacia hidrográfica do mundo - a Bacia Amazônica - e ter historicamente desenvolvido uma relação ambivalente de negação e aproximação de seu ambiente hídrico, a divisão da cidade em Bacias não é posta em prática nem pela administração pública e muitas vezes não é reconhecida pela própria população que habita a Bacia do Una, tal como pude observar em minhas aproximações a comunidades localizadas próximas aos veios d'água da referida bacia, onde ouvi de alguns moradores:
"Aqui não é Bacia do Una, aqui é Pedreira!" 

"Eu não sabia que São Braz fazia parte da Bacia do Una, pensei que isso era lá pro lado da Sacramenta".


Mas afinal de contas, o que é a Bacia do Una?




- A Bacia do Una é a maior bacia hidrográfica de Belém, ocupando 60% do território da cidade em uma área que chega a 36,64 Km².
- 19% de seu território é alagável
- Sua população é de 397.339 habitantes distribuídos em 20 bairros, 16 integrais - Telégrafo, Pedreira, Barreiro, Sacramenta, Fátima, Souza,Val-de-cães, Miramar, Maracangalha, Marambaia, Mangueirão, Benguí, Parque Verde, Cabanagem, Una e Castanheira - e 4 parciais, Umarizal, Nazaré, São Braz e Marco.

Após a execução do Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una que tinha como objetivo sanear grande parte da periferia de Belém e resolver o problema dos alagamentos nas áreas mais baixas, a Bacia do Una enquanto um sistema drenante passou a ser composta por 17 canais (sendo que as suas principais calhas são os canais do Galo e São Joaquim) 6 galerias e 2 comportas.



No próximo post explicarei a diferença entre Bacia do Una e Macrodrenagem do Una. Até lá, um abraço.





quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Dos objetivos deste Blog...

Este Blog foi criado com a intenção primeira de registrar o processo de construção de conhecimento que irá resultar, dentro de mais ou menos 2 anos (assim eu espero, rs), em uma tese de doutorado a ser defendida pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Registrar o processo de pesquisa significa não apenas dispor online o material coletado em campo, mas tornar inteligíveis os bastidores e as condições da pesquisa, transformando a experiência do etnógrafo em campo em objeto de reflexão e em parte inextricável da escrita etnográfica. Aos amigos que não estão familiarizados com o termo "etnografia", este se trata de um do principal método da Antropologia, ciência social que trata dos fenômenos culturais enquanto constructos coletivos e históricos a partir dos quais o elemento humano se constitui como um ser simbólico. 

Embora o trabalho de campo seja uma das condições primordiais da etnografia, a etnografia não se confunde com trabalho de campo. Meus amigos publicitários, engenheiros, psicólogos, arquitetos, todos estes fizeram trabalho de campo que resultou em ótimos trabalhos de pesquisa. Porém, não realizaram etnografias. Para os antropólogos, a etnografia é mais que um trabalho in loco que resulta em discurso unívoco sobre o outro. A etnografia seria uma narrativa do processo de pesquisa dentro do qual ocorre um deslocamento epistemológico por parte do etnógrafo, isto é: o pesquisador deve refletir sobre como a relação com uma alteridade (o outro que está sendo pesquisado) incidiu na própria produção do conhecimento que dá origem à etnografia.

Para quem tiver interesse sobre este tema, indico o texto da a Antropóloga Mariza Peirano disponível abaixo:


Este blog é um suporte para a pesquisa etnográfica. A idéia de utilizar diferentes suportes para a pesquisa etnográfica não é nova. De fato, ela vai desde as iniciativas dos antropólogos Margareth Mead e Gregory Bateson, que nos anos 1930 usaram registros de áudio e vídeo como dados inequívocos que permitiam comparar o mesmo fenômeno em diferentes culturas (tal como o hábito das mães darem banho em seus bebês) chegando à Antropologia compartilhada do mestre Jean Rouch da década de 50, o qual considerava a imagem cinematográfica como um instrumento de diálogo e de retribuição a interlocutores que não teriam acesso à produção antropológica cujo suporte fosse a escrita.

Prancha do livro Growth and Culture (1951) de Margareth Mead e Frances MacGregor.
Fonte:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832010000200014 


A idéia da criação de um blog para divulgar resultados e fomentar o diálogo com os interlocutores da pesquisa também já foi posta em prática pelo Projeto de Pesquisa “Habitantes do Arroio: memória ambiental das águas urbanas”, coordenado pela antropóloga Ana Luiza Carvalho da Rocha e responsável por uma série de pesquisas sobre conflitos relacionados à utilização dos recursos hídricos urbanos de Porto Alegre. Abaixo, encontra-se o link para o blog do referido projeto:

A Antropologia Compartilhada de Jean Rouch
Fonte: http://www.cinetrange.com/2012/10/jean-rouch/

Além de minha pesquisa de doutorado representar um desdobramento do projeto "Habitantes do Arroio", também partilho da necessidade de estabelecer um canal de diálogo com meus interlocutores, onde estes possam se reconhecer como colaboradores desta pesquisa comentando, fazendo sugestões e, até mesmo, repreendendo o antropólogo quando este não for feliz em seus posts. O blog também divulga o trabalho de pesquisa e atrai outras pessoas que queiram dialogar comigo em qualquer ordem.

O blog também tem o compromisso político de trazer à superfície as problemáticas atuais da Bacia do Una, tais como os alagamentos, conflitos ligados à regularização fundiária de áreas na bacia, colapso do sistema de saneamento, omissões e improbidades da administração pública em relação à manutenção das obras de Macrodrenagem da Bacia do Una agrupadas em três grandes sistemas: viário, macrodrenagem (17 canais, 6 galerias e 2 comportas) e saneamento, bem como visibilizar as condições de vida de grupos de sujeitos que se encontram às margens da ação do Estado dentro da Bacia do Una.

A contrapartida de criar um blog também deve ser considerada diante da possibilidade de este servir como um suporte não apenas de divulgação da pesquisa, mas como um espaço de reflexão para o antropólogo e de sistematização do material obtido em campo, o que pode representar uma otimização considerável de tempo quando for necessária a produção de artigos, de exposições e da própria tese.

O blog também serve como uma espécie de relatório de atividades à minha orientadora Professora Doutora Cornelia Eckert, uma vez que a mesma se encontra no desempenho de suas funções como docente no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e eu estou a realizar meu trabalho de campo na cidade de Belém (PA).

Este blog, enquanto mais um espaço de enunciação do pesquisador, não será escrito de maneira exclusivamente acadêmica, pois também apresenta a função de informar meus familiares e amigos que não têm a mínima idéia do que eu faço da vida quando não estou por aí causando ou sendo um rockstar rs.

Um abraço!

Pedro Paulo de Miranda Araújo Soares

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Que tese de doutorado é esta?


No dia 12 de dezembro de 2012 recebi a notícia de que, junto com mais 13 colegas, faria parte da turma de Doutorado em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O alívio que senti por ter sido aprovado no processo seletivo durou apenas o tempo necessário para que eu me desse conta de que meu ingresso no Doutorado estava condicionado à defesa de minha dissertação agora deveria ocorrer dentro de, no máximo, três meses.

 Em minha Dissertação de Mestrado tive como tema de pesquisa as transformações das relações de trabalho no mundo urbano contemporâneo, sendo o objeto de pesquisa a memória coletiva da profissão de barbeiro na cidade de Porto Alegre. Esta memória ganhava sentido e era expressada a partir de narrativas dos barbeiros e barbeiras sobre sua trajetória de trabalho, sobre o aprendizado dos saberes e fazeres de seu ofício/profissão e sobre sua relação de pertencimento a um local de trabalho e à paisagem urbana. A dissertação tratava de um ofício urbano tradicional no qual a marca da tradição é justamente a inovação. Isto é, o ofício de barbeiro está em constante transformação em seu devir no tempo.

A cidade contemporânea ocupa um lugar de suma relevância nas reflexões sobre as modificações no ofício de barbeiro, uma vez que o processo de profissionalização e modernização de um ofício tradicional como o de barbeiro está relacionado à dinâmica das transformações urbanas da cidade de Porto Alegre nos termos de sua industrialização, urbanização e regulamentação dos usos de seus espaços e das relações de trabalho que ocorrem no mundo urbano. O período do curso de mestrado durou dois anos (2010 a 2012). A pesquisa etnográfica que realizei na cidade de Porto Alegre muitas vezes se confundiu com a trajetória de minha chegada, acomodação e adaptação à cidade de Porto Alegre e seu peculiar estilo de vida. Porém, com a aprovação no doutorado e agora dispondo de mais tempo para realizar uma pesquisa etnográfica, decidi voltar às raízes da minha atividade acadêmica na Antropologia.

Formado em Ciência Sociais pela Universidade Federal do Pará, meus primeiros ensaios etnográficos versaram sobre a percepção de antigos taxistas a respeito das transformações da cidade de Belém ao longo do século XX. A vontade de pesquisa novamente na cidade de Belém somou-se à responsabilidade de produzir conhecimento sobre minha região, a Amazônia. Sendo assim, escrevi um projeto de doutoramento que pudesse contemplar ao mesmo tempo a minha filiação teórica à comunidade interpretativa da Antropologia Urbana no Brasil ao Banco de Efeitos e Imagens Visuais (BIEV-UFRGS) que coordena pesquisas antropológicas sobre memória coletiva, meio ambiente, cotidiano, formas de sociabilidades, itinerários urbanos, narrativas e estética urbana em sociedades complexas. O resultado foi o projeto de tese intitulado: "Entre a poluição da natureza e a naturalização da sujeira. Estudo antropológico sobre a memória ambiental dos habitantes da Bacia Hidrográfica urbana do Una em Belém (PA)".

 Sem mais, disponho a seguir o resumo original presente no projeto entregue ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS-UFRGS).


 RESUMO 

 "Este projeto de pesquisa propõe uma reflexão a respeito da memória ambiental de habitantes da Bacia do Una em Belém do Pará, enfocando a relação entre a cidade e suas águas a partir da trajetória de sujeitos que se estabeleceram em terrenos baixos e alagáveis em função das chuvas e marés altas. Valoriza-se o ponto de vista desses sujeitos sobre as transformações de sua relação com um ambiente marcado pela presença das águas, sendo que suas trajetórias de migração e fixação no território estão ligadas aos processos de ocupação do solo e urbanização de Belém principalmente no que diz respeito ao manejo dos recursos hídricos urbanos e saneamento da cidade. Além disso, este trabalho se dedica à análise das margens dos canais enquanto “lugares praticados” (De Certeau, 1994) no que tange às formas de sociabilidade desenvolvidas nas marginais e às táticas e estratégias utilizadas nas situações de catástrofe urbana como as constantes inundações que ocasionam perda do patrimônio familiar e o risco do contato com lixo e doenças. A experiência contínua de proximidade com estas paisagens fluviais agonizantes introduz no cotidiano dos habitantes da Bacia do Una uma dialética entre a poluição da natureza e a naturalização da sujeira. Poluição da natureza em virtude da transformação dos antigos córregos e igarapés da cidade em corpos drenantes que assumem a forma de canais onde são despejados esgotos e lixo. Naturalização da sujeira em função da duração de práticas e eventos que evocam na memória dos habitantes a presença do antigo rio, riacho ou igarapé, tal como as enchentes, o aparecimento de animais silvestres, o ato de banhar-se e mesmo a sociabilidade e lazer à beira do canal."

"Palavras-chave: Memória Ambiental; Águas Urbanas; Risco."


                                Foto por Odilson Sá